domingo, 2 de agosto de 2009

MARX, O ESTADO E OS CLÁSSICOS


Segundo Bobbio, apesar de não ter elaborado uma teoria acabada sobre as formas de governo, Marx deve ser categorizado como um “clássico” pois possui as três importantes qualidades: pode ser considerado um intérprete da época em que viveu e não se pode prescindir de sua obra pra conhecer o “espírito do tempo”; é sempre atual, sendo necessário que cada geração o releia e o reinterprete e por fim; elaborou categorias gerais de compreensão históricas indispensáveis a interpretação de muitas realidades.
O autor esclarece que teoria marxiana do Estado é aquela que se pode inferir de alguns escritos de Marx como: Manuscritos de 1844, A Ideologia Alemã, o Manifesto comunista, entre outros. E esta concepção de Estado marxiana será analisada tomando como critérios as distinções que se costuma fazer no âmbito da história das doutrinas políticas.
A primeira distinção contrapõe as teorias idealistas e teorias realistas. As idealistas que sofrem influência de Aristóteles, propõem um modelo de Estado derivado da combinação ou síntese das formas históricas, como por exemplo a teoria do governo misto. Já as realistas, que tem como principal expoente Maquiavel, consideram o Estado como relações de domínio. O autor categoriza a teoria marxiana como realista, pois apesar de ainda existir em Marx um momento utópico, este não se encontra vinculado a um Estado ótimo, mas na extinção do Estado.
A segunda distinção se estabelece no âmbito das doutrinas realistas. De um lado as racionalistas, com influência de Hobbes, ocupam-se fundamentalmente da questão: “Por que existe o Estado?” e colocam em evidência a oposição entre o estado de natureza anti-social e o Estado civil. E do outro lado, as historicistas representadas principalmente por Aristóteles se concentram na problemática da origem histórica do Estado e se perguntam: “Como o Estado nasceu?” e por sua vez evidenciam a continuidade entre formas primitivas de sociedades humanas como família, tribo ou clã, e uma forma sucessiva de sociedade organizada que teria, apenas ela, o direito de ser denominada “Estado”. Segundo o autor é nesta última doutrina que deve ser adequada a teoria do Estado de Marx.
Uma outra distinção diz respeito às concepções positivas e concepções negativas de Estado. A concepção positiva concebe o Estado como reino da razão, ou ainda, como um ente da razão, onde somente dentro deste, o homem é capaz de desenvolver plenamente a própria natureza de ser racional, como também só através do Estado é possível transcender a expectativa de viver ou sobreviver e passar para o viver bem. Marx compõe o quadro dos autores que possuem uma concepção negativa do Estado, que defendem a idéia que o Estado é um reino da força e não da razão, um reino do interesse de uma parte e não do bem comum.Assim, segundo essa concepção, o Estado não é a saída do estado de natureza, mas sim a sua continuação sob outra forma. Para Marx, a saída do estado de natureza só é possível com o fim do Estado.
O autor ressalta, entretanto, que as concepções negativas do Estado devem ser diferenciadas entre tradicional e marxiana. Apesar de tratar-se da mesma interpretação da função do Estado (reino da força), esta é vista a partir de pontos de vista opostos. Enquanto que para a concepção tradicional, de influência religiosa, o Estado é por necessidade um aparelho coercitivo porque deve refrear a maldade dos súditos; para a concepção marxiana, o Estado é por necessidade um aparelho coercitivo porque só através da força a classe dominante pode conservar e perpetuar o seu próprio domínio.
Após definir a teoria de Estado marxiana como teoria negativa, o autor revela que em sua teoria Marx não deu ênfase a questão da forma de governo, o que segundo hipótese do autor se deva ao fato de que para Marx o que é fundamental é a relação de domínio (classe dominante x classe dominada) e qualquer que fosse a forma institucional, que faz parte da superestrutura, não mudaria significativamente a realidade desta relação de domínio que tem raiz na base real da sociedade, ou seja, na infraestrutura, na forma de produção historicamente determinada.
Assim, para Marx o imprescindível não é a discussão de como se governa (Monarquia, Aristocracia ou Democracia), mas de quem governa (a burguesia ou o proletariado). Segundo ele, do ponto de vista das reais relações de domínio e não das relações aparentes (institucionais), todos os Estados são “ditaduras”, resta saber se são “ditaduras do proletariado” ou se são “ditaduras da burguesia” que são as mais comuns.
Bobbio adverte entretanto, para a especificidade do termo “ditadura”. Segundo ele, Marx utiliza tal termo relacionando-o a uma classe e não usando no sentido técnico que se refere a um Estado de exceção. Isto é, a utilidade que Marx faz do termo não é para indicar formas específicas de governo, mas sim para representar com particular força polêmica o “domínio” de uma classe sobre as outras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário