domingo, 2 de agosto de 2009

O IMPÉRIO E A ORDEM MUNDIAL


No primeiro capítulo de seu livro: "O Império", Hardt e Negri se propõem a explicar a constituição da ordem mundial que vem se configurando na contemporaneidade. Esta ordem se expressa como uma formação jurídica e para entende-la faz-se necessário a análise dos processos constitucionais que levaram a transição do imperialismo( a extensão soberana do estado-nação) para o Império ( a descentralização e desterritorialização do poder). Segundo os autores o surgimento da ONU seria a consolidação dessa transição, uma vez que visa superar a antiga concepção de ordem internacional e apontar para um novo conceito de ordem global, ou seja, para uma nova fonte positiva de produção jurídica. Conforme pretensão de um de seus idealizadores, Hans Kelsen, a ONU cumpriria o papel de um sistema jurídico internacional concebido como a fonte suprema de toda a formação e constituição jurídica nacional. Os autores criticam Kelsen, pois este concebeu a construção e validade formais do sistema como independente da estrutura material que o organiza, sendo necessário a busca de respostas para esta lacuna deixada por Kelsen. As respostas obtidas até o momento têm se mostrado inadequadas, uma vez que trata-se meramente de reativações de modelos jurídicos antigos e aplica-los a problemas novos. Tais respostas derivam basicamente de linhas de pensamento hobbesianas e lockianas. Os hobbesianos concebem o estabelecimento do poder supranacional como um acordo contratual fundamental na convergência de sujeitos estatais preexistentes. Já para os lockianos, quando o poder é completamente transferido para um centro supranacional surgem redes de contrapoderes locais e constitucionalmente eficazes para contestar e/ou apoiar a nova figura de poder. Segundo os autores, nas duas linhas de pensamento o que ocorre é uma mera justaposição do novo poder global sobre a concepção clássica do poder soberano dos Estados-Nação, não havendo, portanto, o reconhecimento da nova natureza do poder imperial. Essa nova natureza está intrinsecamente ligada a duas mudanças significativas: 1- A globalização da produção capitalista e seu mercado mundial, possibilitando a união do poder econômico e político e 2- As novas relações globais de poder, substituindo a antiga competição entre as potências imperialistas pela idéia de um poder único que está acima de todas elas. Os autores consideram que a noção de direito subjacente a esta nova constituição jurídica do mundo é resultado da união de duas noções de direito que se fizeram presente durante a modernidade européia, uma influenciada pela ideologia liberal concebia o poder como um concerto pacífico de forças jurídicas e sua substituição no mercado, e a outra pela ideologia socialista que se concentra na unidade internacional mediante a organização de lutas e a substituição de direito.Os autores identificam na renovação do interesse pelo conceito de “guerra justa”, a partir da Guerra do Golfo”, um sintoma do renascimento do conceito de Império. No mundo pós-moderno esse conceito de “guerra justa” apresenta duas características: 1 – A guerra é reduzida ao status de ação policial e 2- O novo poder pode exercer legitimamente funções éticas por meio de conflito sacralizado. Desta forma, o novo paradigma é definido , inicialmente, pelo reconhecimento de que só um poder estabelecido, superdeterminado com relação aos Estados-nação e relativamente autônomo é capaz de funcionar como centro da nova ordem mundial, exercendo sobre ela uma norma efetiva e, caso necessário, coerção. Assim como o antigo, o novo paradigma imperial é formado não com base na força, mas com base na capacidade de mostrar a força como algo a serviço do direito e da paz. Mas, apesar das continuidades com o modelo antigo, o funcionamento do novo Império possui singularidades, tais como o positivismo jurídico e teorias de direito natural, contratualismo e realismo institucional, formalismo e sistematismo. O modelo jurídico do Império que contempla todas essas características da ordem supranacional tem como fonte inicial e implícita de direito a ação policial e a capacidade da polícia de criar e manter a ordem.Vale ressaltar, que além das transformações provocadas na lei internacional, a constituição imperial transforma também as leis administrativas de sociedades individuais, de Estados-nação e sociedades cosmopolitas. Tal transformação se evidencia no desenvolvimento do “direito de intervenção” concebido como o direito ou dever dos senhores dominantes da ordem mundial de intervir em territórios de outros senhores no interesse de prevenir ou resolver problemas humanitários, garantindo acordos e impondo a paz, ou seja, é uso dos valores universais como legitimadores do direito de polícia.Os autores concluem então, que o nascimento do Império se realiza nas mesmas condições que caracterizam sua decadência e seu declínio, pois ao mesmo tempo o Império surge como centro que sustenta a globalização da produção, seu poder parece estar subordinado às flutuações da dinâmica do poder local e aos arranjos jurídicos parciais e mutáveis que buscam, mas nunca conseguem plenamente, levar de volta a um estado normal em nome da “excepcionalidade” de métodos administrativos.

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