terça-feira, 4 de agosto de 2009
Mais um pouco de Manoel de Barros
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
Monsanto veta cartilha de orgânicos do Ministério da Agricultura
A idéia é (ou era!) padronizar, identificar e valorizar os produtos orgânicos.Infelizmente, a multinacional de sementes transgênicas Monsanto obteve uma liminar de mandado de segurança que impediu sua distribuição.O arquivo foi inclusive retirado do site do Ministério (o link está "vazio").
Em desobediência civil e resistência pacífica à medida de força,estamos ajudando a distribuir eletronicamente a cartilha. Se você concorda com esta idéia, continue a distribuição para seus amigos e conhecidos!
Acesse, baixe e divulgue a cartilha por aqui:
http://www.artefatocultural.com.br/portal/uploads/cartilha_ziraldo.pdf
Cirurgia Pediátrica Gratuita - Para Carentes - UFBA
Aqui em Salvador, a CIPE - BA, assume a direção do mutirão.
Este ano o mutirão será realizado dia 22 de agosto.
Já estão confirmados para participar: o Hosp. da Criança de Irmã Dulce, o Hosp Martagão Gesteira e o HUPES (Hosp das Clinicas) da UFBA.
Os pacientes interessados deverão procurar os ambulatórios de Cirurgia Pediátrica:
Hosp. de Irmã DulceSegundas - pela manhãTerças - a tardeQuartas - manhã e tardeQuintas - manhãSextas - manhãHosp. das Clínicas (HUPES)Quintas às 13 hsHosp. Martagão GesteiraPelas manhãs de segunda à sexta
Maria do Socorro Mendonça de Campos
Presidente da CIPE - BA / Associação Bahiana de Cirurgia Pediátrica
Contato 71 9961-4120
camposmsm @gmail.com
Skype: mendoncadecampos
domingo, 2 de agosto de 2009
Eros e Psique
Os Ombros Suportam o Mundo
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade
O IMPÉRIO E A ORDEM MUNDIAL
MARX, O ESTADO E OS CLÁSSICOS
O autor esclarece que teoria marxiana do Estado é aquela que se pode inferir de alguns escritos de Marx como: Manuscritos de 1844, A Ideologia Alemã, o Manifesto comunista, entre outros. E esta concepção de Estado marxiana será analisada tomando como critérios as distinções que se costuma fazer no âmbito da história das doutrinas políticas.
A primeira distinção contrapõe as teorias idealistas e teorias realistas. As idealistas que sofrem influência de Aristóteles, propõem um modelo de Estado derivado da combinação ou síntese das formas históricas, como por exemplo a teoria do governo misto. Já as realistas, que tem como principal expoente Maquiavel, consideram o Estado como relações de domínio. O autor categoriza a teoria marxiana como realista, pois apesar de ainda existir em Marx um momento utópico, este não se encontra vinculado a um Estado ótimo, mas na extinção do Estado.
A segunda distinção se estabelece no âmbito das doutrinas realistas. De um lado as racionalistas, com influência de Hobbes, ocupam-se fundamentalmente da questão: “Por que existe o Estado?” e colocam em evidência a oposição entre o estado de natureza anti-social e o Estado civil. E do outro lado, as historicistas representadas principalmente por Aristóteles se concentram na problemática da origem histórica do Estado e se perguntam: “Como o Estado nasceu?” e por sua vez evidenciam a continuidade entre formas primitivas de sociedades humanas como família, tribo ou clã, e uma forma sucessiva de sociedade organizada que teria, apenas ela, o direito de ser denominada “Estado”. Segundo o autor é nesta última doutrina que deve ser adequada a teoria do Estado de Marx.
Uma outra distinção diz respeito às concepções positivas e concepções negativas de Estado. A concepção positiva concebe o Estado como reino da razão, ou ainda, como um ente da razão, onde somente dentro deste, o homem é capaz de desenvolver plenamente a própria natureza de ser racional, como também só através do Estado é possível transcender a expectativa de viver ou sobreviver e passar para o viver bem. Marx compõe o quadro dos autores que possuem uma concepção negativa do Estado, que defendem a idéia que o Estado é um reino da força e não da razão, um reino do interesse de uma parte e não do bem comum.Assim, segundo essa concepção, o Estado não é a saída do estado de natureza, mas sim a sua continuação sob outra forma. Para Marx, a saída do estado de natureza só é possível com o fim do Estado.
O autor ressalta, entretanto, que as concepções negativas do Estado devem ser diferenciadas entre tradicional e marxiana. Apesar de tratar-se da mesma interpretação da função do Estado (reino da força), esta é vista a partir de pontos de vista opostos. Enquanto que para a concepção tradicional, de influência religiosa, o Estado é por necessidade um aparelho coercitivo porque deve refrear a maldade dos súditos; para a concepção marxiana, o Estado é por necessidade um aparelho coercitivo porque só através da força a classe dominante pode conservar e perpetuar o seu próprio domínio.
Após definir a teoria de Estado marxiana como teoria negativa, o autor revela que em sua teoria Marx não deu ênfase a questão da forma de governo, o que segundo hipótese do autor se deva ao fato de que para Marx o que é fundamental é a relação de domínio (classe dominante x classe dominada) e qualquer que fosse a forma institucional, que faz parte da superestrutura, não mudaria significativamente a realidade desta relação de domínio que tem raiz na base real da sociedade, ou seja, na infraestrutura, na forma de produção historicamente determinada.
Assim, para Marx o imprescindível não é a discussão de como se governa (Monarquia, Aristocracia ou Democracia), mas de quem governa (a burguesia ou o proletariado). Segundo ele, do ponto de vista das reais relações de domínio e não das relações aparentes (institucionais), todos os Estados são “ditaduras”, resta saber se são “ditaduras do proletariado” ou se são “ditaduras da burguesia” que são as mais comuns.
Bobbio adverte entretanto, para a especificidade do termo “ditadura”. Segundo ele, Marx utiliza tal termo relacionando-o a uma classe e não usando no sentido técnico que se refere a um Estado de exceção. Isto é, a utilidade que Marx faz do termo não é para indicar formas específicas de governo, mas sim para representar com particular força polêmica o “domínio” de uma classe sobre as outras.
Alienação X Emancipação
Embrutecidos, ludibriados pela ocultação da realidade que a ideologia provoca, a maioria dos seres humanos hoje seguem a cartilha que lhes é imposta sem nenhum tipo de crítica ou reflexão e outros não seguem cartilha nenhuma, apenas executam atividades que lhes possibilitam manterem-se vivos, sobreviver.
Diante de tal constatação, o que nos restam são inquietaçãoes: Como romper com o estado atual das coisas? Quais as nossas reais possibilidades e limitações para contribuir com a superação desta situação?
A crise de valores na sociedade contemporânea
Os valores ou a falta de valores que tem causado tantos problemas para a humanidade tem seu suporte material, sua dimensão de concretude na prática cotidiana dos indivíduos, em suas ações e atitudes.
Assim, para compreender os valores, é necessário conhecer a ação humana. Porém, é preciso considerar que a percepção precede a ação, ou seja, uma determinada percepção ou leitura de mundo implica num determinado tipo de ação ou relação com este mesmo mundo.
Nesse sentido, Leonardo Boff nos ajuda a compreender essa questão quando afirma que “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.”A partir daí podemos depreender que para que possamos compreender a percepção que as pessoas têem do mundo e consequentemente, o sentido de suas ações, é fundamental que compreendamos como se deu nosso processo de socialização.
Isto posto, identificamos a necessidade de fazermos uma breve retrospectiva histórica. Devido aos propósitos deste texto optamos por fazer um recorte na história e começaremos a análise a partir da transição da Idade Média para a Idade Moderna.
Um elemento marcante nessa transição é o que Weber e Habermas vão definir como “a distinção das esferas de valores culturais”, ou seja, a distinção da arte, da moral, da ciência. Um exemplo que nos ajuda a compreender essa questão é que durante a Idade Média, Galileu não podia olhar livremente através do seu telescópio e relatar os resultados porque a arte, a ciência e a moral se fundiam na Igreja e, portanto, era a moral da Igreja que definia o que a ciência podia ou não fazer. A Bíblia dizia ou insinuava que o Sol girava em torno da Terra e ponto final. A arte e a ciência estavam submetidas à moral.
Com a diferenciação, as esferas de valores tornaram-se autônomas, independentes uma da outra. O problema é que a separação não se deu de forma amigável, elas não mantiveram seus pontos legítimos de conexão e então o que antes era uma mera dissociação transformou-se em fragmentação ou alienação.
E como já é sabido, devido, principalmente, às contingências políticas e econômicas, a ciência se torna hegemônica, poderosa e agressiva e começa então, a invadir e dominar as outras esferas e devido ao caráter de cientificismo, de materialismo científico, há uma desvalorização das outras esferas que sob o rótulo de não-científicas passam a ser consideradas como coisas ilusórias e de menor valor.
Nesse momento, a ciência estabelece-se como sinônimo de evolução da civilização. Progresso científico representava avanço da humanidade. Nesse sentido, todas as fichas eram apostadas na ciência.
Vale lembrar que naquele momento também se fazia presente o antropocentrismo. A idéia de que o homem era o centro do Universo, ganhava então um importante aliado, uma vez que a ciência seria o meio através do qual os recursos do mundo e da natureza seriam colocados à serviço do conforto e bem-estar da humanidade.
Por conta de todo esse prestígio, há uma supervalorização da técnica em detrimento da ética, ou seja, os parâmetros usados para avaliar o avanço da humanidade repousa em quanto mais científica e tecnicista ela se torna e não em quanto mais ela se especializa e qualifica para se torna uma rede que funciona como um suporte para que os indivíduos possam desenvolver plenamente suas dimensões social, afetiva, psicológica e espiritual.
O que assistimos hoje, entretanto, é que o progresso científico não foi traduzido em desenvolvimento da humanidade, pelo menos,não de uma grande parte dela. Podemos constatar facilmente que a ciência e todas suas beneces foram cooptadas pela política e pelos detentores do capital e dessa forma, os supostos benefícios ficam restritos a uma parcela bem pequena da humanidade.
É importante destacar que a consolidação da ciência moderna é acompanhada pela consolidação e legitimação de uma mentalidade extrativista e por conseqüência, a dicotomia entre homem e mundo.
O mundo, de um espaço de interrelações, passa a ser pensado simplesmente como um cenário, um objeto. E o ser humano, com sua identidade ontológica comprometida devido à ruptura de sua relação vitalizante com o mundo, torna-se, por sua vez, simplesmente um feixe de desejos em busca de satisfação, a qual deriva, principalmente, do contato com os objetos presentes neste mundo-cenário.
Sexualidade: A construção e manutenção social de um tabu
A história do sexo e da sexualidade humana está diretamente ligada a história da evolução do homem. Por exemplo, acredita-se que o homem (neandhertal) adquiriu o hábito cobrir o corpo (vestimentas), primeiramente para se proteger do frio, do sol, e do ataque de animais e de outros homens, há cerca de cem mil anos. Parece que havia uma maior preocupação em cobrir os genitais masculinos, já que eles ficavam expostos a lesões que poderiam atrapalhar a reprodução.
O sexo era parte importante na vida dos antigos. Nem sempre os órgãos sexuais eram considerados obscenos, mal sendo cobertos em alguns países. As decorações das cerâmicas cretense, fenícia, minóica e grega, que são o retrato dos costumes daqueles povos. Essas decorações, retratam os fatos da vida cotidiana repletos de motivos sexuais, onde homens e mulheres, ninfas e sátiros, se divertem brincando, dançando, tomando banho e tendo relações sexuais, em cenas registradas por artistas. A nudez era exaltada pelos gregos; havia uma tendência ao bissexualismo. Já os romanos, não eram tão adeptos da nudez, no entanto, suas festas bacanais, tão famosas, tiveram que ser proibidas por terem se tornado violentas e obscenas. Isso aconteceu por volta do início da era cristã, onde, em Roma, já havia uma forte tendência para os preconceitos sexuais, considerando quase tudo pecado. Ainda assim, a prostituição, cujas mulheres originavam-se de todas as camadas sociais, era a instituição florescente.
Antes da idade média, a virgindade era pouca valorizada. Acredita-se que ela começou a ganhar importância, entre os séculos IV a XV, quando os membros das classes ricas, passaram a atribuir-lhe valor de troca comercial e econômico; assim, quando os homens começaram a pagar dotes e a exigir a integridade da “mercadoria”, a virgindade começou a ganhar importância e a ser sinônimo de status em todas as camadas da sociedade.
As religiões também tiveram, e sejamos justos, ainda têm um importante papel na formação do comportamento do ser humano, principalmente sexual. A idéia de pecado, passada ao longo das gerações, é extremamente aversiva. Assim, questões como o adultério, o homossexualismo, a masturbação, a virgindade, a castidade, a poligamia (permitida em algumas religiões), o casamento, o divórcio também sofreram algumas modificações com o passar dos tempos, e ainda são assuntos que causam grande controvérsia.
Assim, os costumes dos vários povos, dos mais primitivos aos mais civilizados, influenciados por suas correntes filosóficas, foram decisivos para o estabelecimento de normas de conduta para o comportamento humano. É por isso que se costuma dizer que todo o comportamento, inclusive o comportamento sexual, é o resultado dos fatores culturais, religiosos, políticos, econômicos, étnicos, sensoriais, regionais, climáticos e de sobrevivência de uma época.
Todos esses fatores levaram a uma definição convencional de como a sexualidade humana deve ser vivenciada. Culturalmente se reconhece o sexo convencional como sendo heterossexual, com finalidade prazerosa e/ou procriativa, momentaneamente monogâmico.
Tradicionalmente, essa condição de convencionalidade é utilizada como sinônimo de normalidade e esta, por sua vez é utilizada como sinônimo do que é certo ser feito.
Mas, quando surge um comportamento que diverge dessa norma? O que fazer?
Os transtornos da sexualidade
Parafilia é o termo atualmente empregado para os transtornos da sexualidade, anteriormente referidos como "perversões". No Âmbito dos transtornos associados à sexualidade, ela diz respeito, especificamente, ao transtorno de preferência sexual.
A Parafilia, pela própria etimologia da palavra, diz respeito à "para" de paralelo, ao lado de, "filia" de amor à, apego à. Portanto, para estabelecer-se uma Parafilia, está implícito o reconhecimento daquilo que é convencional (estatisticamente normal) para, em seguida, detectar-se o que estaria "ao lado" desse convencional.
É preciso considerar então, que no campo da saúde, e mais especificamente da saúde mental, o termo normal tem uma conotação estatística, predominantemente, ou seja, normal é o mais freqüente, mais usual, mais encontrado e, neste caso, não-normal nem sempre significa, obrigatoriamente, doença.
Assim sendo, dar a determinado comportamento o rótulo de anormal, desviante, patológico, problema ou transtorno de sexualidade é preciso, que no mínimo atenda a dois critérios. Primeiramente, que ele se constitua em algum acontecimento incomum, ou seja, estatisticamente não-normal e, em segundo e principalmente, em algum acontecimento capaz de causar sofrimento ou prejuízo na pessoa ou em outros, isso porque a morbidez (sofrimento) é um atributo que não deve acometer apenas o paciente, como em outras especialidades médicas, mas deve estender-se aos demais, às pessoas que lhe são próximas. Alguns pacientes psiquiátricos não experimentam sofrimento, mas proporcionam sofrimento aos demais.
Nessa área como em muitas outras é difícil determinar onde acaba a sexualidade saudável e começa a patológica. Isso porque, as preferências sexuais idiossincráticas podem parecer excêntricas para as pessoas que delas não participam, mas podem ocorrer sem representar nenhum problema para o indivíduo, facilitando seu prazer ou simplesmente, introduzindo um elemento ritualístico acessório à atividade sexual essencialmente normal.
Na primeira versão do DSM, de 1952, desvios sexuais foram agrupados juntamente com personalidade psicopática, consistente com a crença de que a maioria dos comportamentos sexuais desviantes eram ofensas legais praticadas por pessoas com tendências anti-sociais e criminais (homossexualidade estava incluída nessa classificação)
Somente em 1980 com a versão III do DSM, é que os até então classificados como desvios sexuais ganharam uma categoria própria chamada Parafilia, enfatizando que o desvio (para) está relacionado com o objeto da atração sexual (philia).
No caso do CID-10, a categoria equivalente à parafilia denomina-se transtorno de preferência sexual.
Alguns teóricos acreditam que houve uma tentativa de entrar em harmonia com as mudanças de estrutural moral da sociedade, promovidas, principalmente pela revolução sexual nas tendências e comportamentos pós-anos 60. Assim, buscou-se uma clarificação dos critérios diagnósticos da conduta desviante e uma exclusão gradual de atividades assentidas entre parceiros.
Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada
Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo)
Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.
II
Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas.
III
Chove torto no vão das árvores.
Chove nos pássaros e nas pedras.
O rio ficou de pé e me olha pelos vidros.
Alcanço com as mãos o cheiro dos telhados.
Crianças fugindo das águas
Se esconderam na casa.
Baratas passeiam nas formas de bolo...
A casa tem um dono em letras.
Agora ele está pensando
-no silêncio líquido
com que as águas escurecem as pedras...
Um tordo avisou que é março.
IV
Alfama é uma palavra escura e de olhos baixos.
Ela pode ser o germe de uma apagada existência.
Só trolhas e andarilhos poderão achá-la.
Palavras têm espessuras várias:
vou-lhes ao nu, ao fóssil,
ao ouro que trazem da boca do chão.
Andei nas pedras negras de Alfama.
Errante e preso por uma fonte recôndita.
Sob aqueles sobrados sujos vi os arcanos com flor!
V
Escrever nem uma coisa
Nem outra
-A fim de dizer todas
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar
-Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.
VI
No que o homem se torne coisal,
corrompem-se nele os veios comuns do entendimento.
Um subtexto se aloja.
Instala-se uma agramaticalidade quase insana,
que empoema o sentido das palavras.
Aflora uma linguagem de defloramentos,
um inauguramento de falas
Coisa tão velha como andar a pé
Esses vareios do dizer.
VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao poema.
Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa luxúria com a liberdade convém.
VII
Nas Metamorfoses, em 240 fábulas,
Ovídio mostra seres humanos
transformados em pedras vegetais bichos coisas
Um novo estágio seria que os entes já transformados
falassem um dialeto coisal, larval,pedral, etc.
Nasceria uma linguagem madruguenta,
adâmica, edênica, inaugural
- Que os poetas aprenderiam -
desde que voltassem às crianças
que foramàs rãs que foramàs pedras que foram.
Para voltar à infância,
os poetas precisariam também de reaprender a errara língua.
Mas esse é um convite à ignorância?
A enfiar o idioma nos mosquitos?
Seria uma demência peregrina.
IX
Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descorQuase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.
O pato dejetava liquidamente ali.
Manoel de Barros
Gratidão Fulgurante
Amanhece...
A oportunidade de amar que Tu me dás
ressurge com a luz do dia.
Cada um é semeador da vida,
que passará no carro das horas
contemplando a terra dos corações.
Que ninguém deixe de depositar
o seu grão de amizade
no solo triste que aguarda reverdecimento!
Qualquer pessoa que seja encontrada,
que se transforme em canção de alegria.
Não permita sair da sua presença
coração algum amargurado, sem que antes se haja
enflorescimento de esperança.
A oportunidade voa e passa
mas, a semente do amor ficará plantada nas vidas,
viajando pelas gerações do futuro
e produzindo alimentos de paz.
Cai a tarde...
O sol se esgueira, cedendo lugar às sombras
que permanecerão por mais um pouco.
Antes de ir-me com ele, é necessário dizer-te:
Senhor, tenho mãos limpas e o coração tranquilo
na noite perceberás onde estive.
Os lugares se encontram assinalados pelas estrelas
da gratidão que fulgirá nos olhos de todos aqueles
em que depositei a claridade do teu amor.
Rabindranath Tagore